Alma da Bola

alma=princípio da vida, sentimento, generosidade, coração
bola= artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto de couro, que, em geral salta por efeito da elasticcidade, e é usado em diversos esportes

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Local: São Paulo, SP, Brazil

Jornalista especializado em marketing esportivo. Gosta de história e de uma boa cerveja.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Sobre futebol e carros

Se há duas coisas que os homens adoram (além de mulheres, para a maioria) são futebol e carros. Talvez seja o instinto do sexo masculino, talvez uma questão de preferência, mas a bem da verdade é que não sabemos ao certo o que motiva essa dupla paixão, sabemos apenas que ela existe, não chega a ser uma regra, pois existem homens que só gostam de futebol ou somente de carros e assim como há aqueles que não gostam nem da bola e nem do motor, mas podemos afirmar com convicção que a grande maioria dos homens é adepta às duas paixões.

Seguindo o silogismo podemos concluir. Jogador de futebol é homem, gosta de futebol, logo, é um amante de carros em potencial. A conclusão não é nem um pouco absurda, mas hoje em dia toma proporções no mínimo curiosas. Já que imaginar jogador de futebol sem carro luxuoso é algo muito difícil para nossas mentes, sejam elas poluídas ou inocentes.

No Brasil, onde a desigualdade social a todo o momento contrasta com um suposto desenvolvimento e com uma classe média altamente consumista, não é de surpreender como jogadores de futebol, em sua maioria de origem humilde, adorem comprar as máquinas mais possantes e modernas, assim que colhem os primeiros frutos da carreira.

Mas sempre foi assim? Não se sabe. Mas antigamente carros luxuosos e jogadores de futebol não tinham relação tão direta como hoje em dia. Conta minha mãe uma história de minha tia Sílvia que vivia em Bauru e era muito amiga de Maria Lúcia, irmã de Pelé. Há uma foto muito antiga na qual as duas estão em um Romi Isetta, ganho pelo rei na década de 1960, com direito a motorista e tudo o mais. Difícil é imaginar um motorista em um carro daquele tamanho.

E é aí que percebemos como os tempos mudam, Pelé foi o que foi, com tantos feitos, gols e tudo o mais, fora presenteado com um Romi Isetta, que nunca fora um carro de luxo. Obviamente que ele ganhou mais presentes, inclusive um Fusca (o bom e velho, Volks) do governador de São Paulo, Paulo Maluf, na conquista da Copa de 70, mas fossem dados modelos mais luxuosos como um Simca Chambord (aquele mesmo cantado pelo Camisa de Vênus) ou um Galaxie (um parrudo Ford que “bebia” mais do que uma mesa com Garrincha e George Best, e alcançava uns 170 CV), ou um outro possante qualquer, nada séria mais adequado ao glamour que um rei merece. Para termos uma idéia de como os valores são distintos, hoje em dia, basta você ser contratado pelo Real Madrid, para ganhar de presente um AUDI (não sei se o A4 ou o A6), isso sem derramar uma gota de suor no famoso gramado do Santiago Bernabéu.

Noutro dia, estava eu saindo do viaduto que dá o acesso da marginal Pinheiros em direção à Avenida dos Bandeirantes, acredito eu que batizado de Armênia, e à minha direita avisto a bela churrascaria Fogo de Chão, que nem posso imaginar o quanto ela deve cobrar por um almoço, mas sei que deve ser muito mais caro do que os rodízios boca de porco que freqüento ou aqueles churrasquinhos de espetinhos que organizamos em mutirão com vizinhos e amigo, onde cada um leva alguma coisa e que geralmente não dá certo. Ali pronto para ser estacionado está um belo VW Passat FSI 2.0 (com 4 portas e muito provavelmente com uns 200 cavalos de potencia, “bebendo” socialmente graças à sua injeção eletrônica, computadorizada e não sei mais o quê) dele sai um “astro”, homem forte corpo robusto, jeito de celebridade, celular em posição de “ataque”, com um belo par de óculos escuros que reluziram até na minha vista, e uma pinta de príncipe negro. Pelé???? Não, não, nada mais nada menos que Júlio Baptista.

O bom meio-campo, hoje jogador do Arsenal, e na ocasião aqui na cidade se recuperando de uma contusão, entregava a chave de seu belo Volkswagen (um dia chamado de carro do povo) e entregava ao manobrista do restaurante, devia ser seu carro reserva, pois na Europa deve andar nos mais belos Mercedes, Porsche, ou nos Jaguar ingleses. O celular em suposto funcionamento muito provavelmente era a desculpa para não dar atenção ao manobrista, que também muito provavelmente deveria gostar de carros e futebol. Tudo para que aquela famosa abordagem: “Nossa você é o Júlio Baptista?”, fosse descartada.

Segui meu percurso em direção à casa de minha companheira em Santo André e entre os desvios dos buracos que tive de fazer na avenida dos Bandeirantes, um pensamento não me saia da cabeça. Hoje em dia qualquer um é reconhecido como celebridade. Não que esteja menosprezando a o jogador, o qual aprecio bastante, mas pensei como as coisas rápidas hoje em dia. Analogamente à velocidade dos carros, o sucesso é rápido e não requer o mesmo esforço que tempos atrás. Os carros, graças às tecnologias que ali estão, consumem pouco combustível e alcançam níveis altíssimos de potência e velocidade; o sucesso, graças à quantidade de informação exposta hoje em dia e à eficiência dos ótimos empresários que investem em jogadores, em pouquíssimo tempo chega a porta de qualquer jogador mesmo que ele não seja um craque de verdade.

Na realidade o que mais me chamou atenção não foi o jogador e nem o carro, afinal, sem demagogia, é bonito ver alguém vencer na vida no futebol, se ele possui talento, que Deus o ajude a vencer. O que me chamou a atenção foi postura de imponência que o jogador saiu do carro. Não que seja culpa dele em si, mas da sociedade, obviamente influenciada pela mídia que lhe outorga o status de Pop star, e nem todos novos famosos sabem lidar com a fama. Com todo o respeito e guardadas as devidas proporções, ele parecia um holywoodiano descendo do carro para adentrar o Teatro Kodak receber um Oscar. Um carro bonitão como aquele o faz sentir diferenciado dos outros (infelizmente essa é a cultura do povo brasileiro). Júlio não é exemplo único, muitos jogadores e porque não, muitos brasileiros têm essa noção de realidade, o da aceitação na sociedade a partir das posses e não do caráter.

Sem dúvida alguma a mídia é culpada por esse agravamento na inversão de valores no futebol atual, a exposição exagerada que a mídia ela faz de seus objetos, os jogadores, é fator decisivo no sucesso e na derrocada deles. Principalmente na atualidade onde temos muito oba-oba e pouco futebol, o que, parafraseando os Titãs, faz qualquer parecer o maior craque de todos os tempos da última semana. Todo mundo sente-se estrela não só em campo, mas também fora dele e pior, de uma hora para outra, todos aceitam essa estrela sem o menor senso crítico, ou seja, torna-se estrela em todos os sentidos, seja dentro ou fora dos gramados.

Quero sim ver muitos jogadores com BMW, Mercedes, Audi, Cherokee, mas também gostaria de ver um pouco mais de bom futebol, e mais humildade em campo e fora dele. Pois nós, os “velhos pobres” torcedores, estamos fartos desses costumes dos “novos ricos”, dos jogadores. Sem dúvida alguma os valores estão deturpados, enquanto o “carro do povo” alemão hoje é cada vez mais modernos e inacessível ao povo, o futebol é cada vez mais acessível para que jogadores, não excepcionais possam virar estrela.

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posted by Guy Júnior | 11:03 AM | 9 comments