Alma da Bola

alma=princípio da vida, sentimento, generosidade, coração
bola= artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto de couro, que, em geral salta por efeito da elasticcidade, e é usado em diversos esportes

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Jornalista especializado em marketing esportivo. Gosta de história e de uma boa cerveja.

segunda-feira, junho 12, 2006

Duelo de Leões


Na Copa do Mundo de 1990 a seleção de Camarões foi a que mais chamou a atenção na competição. Uma boa primeira fase, derrotando Argentina e Romênia e, uma partida inesquecível contra a Colômbia nas oitavas de final, quando Roger Milla, com seus 38 anos, roubou a bola no meio campo do performático goleiro René Higuita e partiu rumo ao gol, deram aos africanos a classificação e o rótulo de sensação da Copa.

Na fase seguinte o adversário seria a famosa Inglaterra. De um lado os Leões indomáveis de outro os Leões da Rainha um duelo que fez daquela partida a mais emocionante de toda da competição. Este jogo, o grande jornalista Paulo Vinícius Coelho – PVC – não colocou em seu livro Os 50 maiores jogos das Copas do Mundo, mas eu humildemente tomo a liberdade de comentar.

O Brasil já estava fora da Copa, e nosso interesse a partir daquele momento seria torcer pelos camaroneses. Nápoles foi o cenário escolhido, uma terra que ao alto tinha Deus (ou seria Maradona?) e o perigoso vulcão Vesúvio, abaixo o San Paolo, um dos estádios mais charmosos da bota, lá diversas torcidas, de países já desclassificados, se misturavam para incentivar os africanos. Como é curiosa esta tendência de se torcer para times de menor expressão no cenário internacional nos jogos da Copa do Mundo.

O favoritismo era todo inglês, mas a alegria e irreverência camaronesa chamavam para si os holofotes da partida. O time da Rainha começou melhor e uma cabeçada para o solo de David Platt, aos 25 minutos do primeiro tempo, após cruzamento pela esquerda do lateral Stuart Pearce, resultou no primeiro gol do jogo. Para muitos, o gol seria o prefácio de uma devastação inglesa que deixariam o time africano em ruínas como as de Pompéia, ali próximas.

Mas só o futebol pode oferecer respostas ilógicas onde a obviedade parece não existir. Em outras palavras só este esporte é capaz de surpreender, colocando em patamar de igualdade fortes e fracos, opressores e oprimidos.

No segundo tempo entrou em campo o atacante Roger Milla, que embora não tenha mudado a sorte de seu país naquela Copa, mudou a história e geografia do futebol e porque não do mundo.

Em um de seus primeiros lances, o experiente africano sofreu um pênalti de Paul Gascoine. A cobrança e o gol de Emmanuel Kunde, aos 16 minutos do segundo tempo, deram coragem aos Leões Indomáveis em acreditar que poderiam derrubam os poderosos ingleses. Os Leões da Rainha já não botavam tanto medo assim. Quatro minutos, em outra jogada, Milla recebeu a bola na meia lua e antes do bote do zagueiro Mark Wright achou Eugene Ekeke entrando em velocidade pelo meio e lançou, próximo à marca do pênalti, o atacante que havia acabado de entrar, matou o goleiro com um leve toque por cima.

Naquele momento o mundo se empolgou com uma inédita classificação de um time africano às semifinais. Mas parece que essa empolgação tomou conta dos africanos. Com dois pênaltis infantis os camaroneses entregaram a classificação. O segundo deles já na prorrogação quando em uma afobada e mal sucedida tentativa de ataque dos africanos, fez a bola caiu nos pés do inglês Paul Gascoine que viu um verdadeiro deserto do Saara no miolo de zaga camaronês e lançou o atacante Gary Lineker. O matador inglês entrou pelo meio driblou o goleiro, que o derrubou. O juiz mexicano Edgardo Codesal, assinalou a penalidade que Lineker não tripudiou e mandou um petardo no meio do gol.

Acabava o sonho africano. Começava uma nova era no futebol. A “África Negra” finalmente fazia sucesso com um selecionado. Naquele momento não eram os afrodescendentes de tantos países, como o próprio Brasil, que representavam o negro no futebol, mas os próprios negros e sua própria bandeira. Nunca me esqueço que uma edição da falecida (ou nem tão falecida assim) revista Manchete na semana seguinte trazia os Leões indomáveis sendo aplaudidos mesmo eliminados da Copa. No futebol nem sempre só os vencedores são aplaudidos pelo público, mas também os oprimidos que mesmo num mundo de enormes diferenças ainda conseguem ser bravos e corajosos. Esse dia, 1º de julho de 1990 pode não ter figurado na história do futebol para muitos, mas para mim e para todos aquelas 55 mil pessoas que estiveram no San Paolo foi simplesmente inesquecível.

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posted by Guy Júnior | 10:22 PM