Alma da Bola

alma=princípio da vida, sentimento, generosidade, coração
bola= artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto de couro, que, em geral salta por efeito da elasticcidade, e é usado em diversos esportes

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Local: São Paulo, SP, Brazil

Jornalista especializado em marketing esportivo. Gosta de história e de uma boa cerveja.

segunda-feira, abril 17, 2006

A verdadeira história da Maria Chuteira

A pequena cidade de Interiorana que, como o próprio nome diz, está localizada nos mais longínquos e profundos “cafundós” do Brasil. No meio do nada e próximo de lugar nenhum, o município, de pouco mais de 3000 habitantes, a exemplo de tantos outros, tinha no futebol a maior alegria de seu povo.

Era o final dos anos 70, a seleção local realizava, todo domingo um “contra” com times da região. As partidas eram em seu campo atrás da igreja, ou nos vilarejos ao redor. Muitas delas eram disputadas em campos improvisados no meio de fazendas, nestes lugares era muito comum animais não se contentarem em ficarem do lado de fora e freqüentemente dividiam bolas com jogadores. Certa vez, uma anta invadiu o que muito generosamente poderíamos chamar de gramado e, após um bate rebate na área, foi última a tocar na bola antes das redes. Obviamente o gol foi válido, seria como se estivesse tocado no árbitro. Árbitros e antas dentro de campo são exatamente a mesma coisa , corpos neutros.

O principal atacante da seleção de Interiorana era Pimpão. Um verdadeiro homem com “O” maiúsculo, isso mesmo “O”, pois semi-analfabeto que era mal sabia escrever seu próprio nome. Pimpão em suas freqüentes discussões nas redondezas chegava a bater no peito e gritar que era “Ómi”. Trabalhava como segurança na única casa noturna da cidade, a Ispoleta,e era casado com a bela Maria, moça de belas pernas torneadas, peitos rígidos e cabelos encaracolados negros. Dizia a lenda que o atacante batia tão bem penalidades, quanto batia na mulher. Seu lema principal era: “Muié minha não trabalha fora”

Maria cuidava do lar e era obrigada a engraxar as chuteiras do marido. Pimpão, apesar de toda a masculinidade assumida, não gostava de aparecer cara-a-cara com o goleiro de chuteiras sujas. Uma espécie de David Beckham do interior.

O ritual era sempre o mesmo, antes dos jogos passava em frente de sua casa e gritava: “Maria, a chuteira!”. E a pobrezinha atendia prontamente o marido lhe trazendo o par que, de tão lustrado poderia até servir de espelho. Ai, se Maria demorasse. Na frente de todos, Pimpão dava-lhe uma bronca, pior que aqueles que desferia aos bandeirinhas quando o pegavam em posição de impedimento. E, no dia de jogo era sempre a mesma história: “Maria, a chuteira!”. Todos da cidade já conheciam muito bem esse bordão. E assim caminhava a vida em Interiorana.

Caminhou até que um dia chegou um forasteiro. Carlos Mascarenhas, ou simplesmente Carlinhos Pegador. O apelido era pela sua facilidade de jogar no gol, mas muitos diziam era pelo sucesso que tinha com as mulheres, particularmente adorava as casadas. Neto do prefeito, Valter Mascarenhas, nasceu na cidade grande, fruto do de uma relação de seu pai, Pedro Mascarenhas, e sua mãe, Joana Tornatore, quando estudavam juntos na faculdade de agronomia. Sua fisionomia era de um típico rapaz italiano, dada a origem da família materna, alto, forte e com os cabelos louros. Nunca tinha ido até Interiorana, mas um acidente automobilístico com vítimas em sua cidade, o fez refugiar-se por lá. Tinha 23 anos e era um verdadeiro playboy, gostava de academias e badalações. Para não perder a forma, pediu ao vovô que o colocasse para jogar no time local.

Foi aceito pelo treinador Zelão, que mesmo que não o desejasse seria obrigado a aceita-lo ou poderia amanhecer com a “boca cheia de formiga”, já que a fama do velho Mascarenhas na cidade era grande. Para facilitar, o goleiro titular, Zé Chulé, havia se acidentado com um golpe de foice enquanto trabalhava na roça. Abrindo espaço para o playboy.

Carlinhos Pegador caiu rapidamente nas graças do time e da população local. Por possuir carro, um Fiat 147 de motor aspirado, era comum que ele transportasse os materiais nos dias de jogo. Certo dia, Pimpão, de quem se tornou grande amigo, estava no meio de uma discussão sobre mulheres e para não sair como derrotado pediu para que Carlinhos fosse até sua casa pegar as chuteiras.

Quando o goleiro chegou na casa deparou com a bela Maria trajando um curtíssimo vestido branco de alças finas. Vira e mexe essas alças caiam dos ombros e ela as arrumava rapidamente. Ela costumava usar roupas leves enquanto lavava roupas.

—Por favor, a senhora é a dona Maria?
—Ai seu moço, dona Maria é? Precisa chamar assim não.
—Encantado, Carlos Mascarenhas. – beijando a mão cheirosa de água sanitária da moça.

Muito arredia, Maria não sabia como se portar diante de tanto cavalheirismo, mas sentiu-se atraída pelo jovem goleiro. Entregou-lhe as chuteiras e seus olhos reluziam como se também tivessem sido lustrados. Carlinhos deu uma piscadinha com o olho esquerdo, entrou em seu Fiat 147 e arrancou para o jogo.

Malandro que era, Carlinhos Pegador não pestanejava. Toda vez fazia questão de buscar as chuteiras de Pimpão. O “Machão” não queria incomodá-lo. Mas o forasteiro de pronto respondia: “Fica sossegado Pimpão, vai na minha que você não perde. Eu busco suas chuteiras, isso deu sorte no último jogo e vai dar novamente”.

Percebeu rapidamente que a moça tinha uma queda por ele, mas não sabia como agir, afinal, em cidade pequena fofoca corre mais rápido que ponta direita. Até que certo dia, Maria não foi abrir a porta, apenas gritou, para ele entrar. Lá dentro aconteceram todas essas coisas que vocês estão imaginando e que com o tempo tornaram-se cada vez mais freqüentes.

Pimpão acreditava que isso lhe dava sorte e sempre pediu o favor. A cada dia era mais amigo do goleiro. Até hoje existe uma foto num bar da cidade mostrando os dois abraçados e ajoelhados. O atacante fez questão de atravessar o campo para comemorar seu gol junto ao “amigão”.

No carnaval de 1979, a cidade recebeu um grande número de visitantes e a Ispoleta teve sua lotação máxima. Conforme ia acabando o estoque de Interchaça, a cachaça local, marca de propriedade da família Mascarenhas, os ânimos iam se tornando mais tensos. Após uma discussão por causa de mulher, uma briga se instaurou no local e um tiro de espingarda foi disparado. Do outro lado caía Pimpão com o peito sangrando, ele tentava apartar o incidente.

Mais que rapidamente os amigos tentaram socorrê-lo,correndo para o Fiat 147 de Carlinhos, mas o atacante não resistiu, morrendo antes de chegar ao hospital local. Passava desta para uma melhor.

Luto na cidade, o principal artilheiro do time estava morto. A comoção foi geral. Mas duas pessoas não sabiam ao certo se choravam ou comemoravam Carlinhos e Maria. No funeral, o goleiro “amigão”, consolava a viúva . Mas como eles iriam continuar com o romance, já que naquela época uma mulher recém viúva que se envolvesse com outro homem seria considerada um ser da pior espécie?

Mas, após todos despejarem seu punhado de terra na vala de Pimpão, Carlinhos e Maria aproveitaram para “dar uma rapidinha” na cama do falecido.

E nada impedia o romance dos dois, o povo não desconfiava, ou se fazia de cego, das constantes visitas de consolo do goleiro à viúva. Até que um dia, veio a notícia que Pedro Mascarenhas havia conseguido “limpar a barra” do filho no acidente. O goleiro podia enfim retornar à cidade.

Mais que rapidamente fez o convite à Maria. Mas a moça não sabia como poderia fazer aquilo. Se a pegassem fugindo com o rapaz para a cidade, era capaz de ser linchada em praça pública. Só poderia sair dali disfarçada.

Foi daí que Carlinhos teve uma grande idéia. Fez uma rápida viagem para sua cidade e comprou água oxigenada do maior volume, uma sandália de salto alto, um sutiã que levantava os seios e uma mini saia com quatro dedos de pecado. Voltando para Interiorana entregou tudo a Maria e em poucas horas, a deusa morena do interior transformou-se em uma verdadeira loira belzebu. Pela madrugada, os dois conseguiram sair escondidos da casa dela e se esconderam na casa de Carlinhos. No dia seguinte, seu avô, comparsa na história, tratou rapidamente disseminar o boato que sua neta da capital estava em sua casa para passar três dias. Quem duvidasse do boato poderia ter um fim não muito agradável. Logicamente a suposta neta era a loira Maria.

Três dias depois, Carlinhos e Maria colocaram seus pertences dentro do Fiat e foram embora de Interiorana. Muitos perceberam do sumiço de Maria. Uns achavam que ela teria se enterrado com o marido, outros que ela teria sumido no meio do mato. Mas como é de costume no interior a história acabou virando lenda. A lenda de “Maria, a chuteira!”, a mulher que sumiu e que nunca mais voltou após seu marido morrer. Posteriormente, devido ao modo rápido do caipira falar, tornou-se a lenda da “Maria Chuteira”. E assim essa lenda correu o país e, mesmo com algumas alterações está presente até hoje no futebol brasileiro.

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posted by Guy Júnior | 7:00 PM

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Fala Guy!
Muito legal seu blog, principalmente o texto sobre a Samp! Também passei muitos domingos vendo o time de Cerezo e Lombardo conquistar o scudetto, apesar de torcer pra Fiorentina!

Abraço,

P.S.: Tá faltando texto do Timão aí!

8:28 AM  
Anonymous Anônimo said...

Gostei do seu blog Guy!
Agora, a historia e pura imaginacao ou tem fundamento?! eheheh Muito convincente...

9:09 AM  
Anonymous Anônimo said...

A-do-rei!

11:33 AM  
Anonymous Anônimo said...

Nossa praticamente um "Gil Vicente" das crônicas esportivas, por acaso te deram o tema "Maria Chuteira" e te prenderam em um quarto para você escrever essa história?

1:26 AM  

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