Alma da Bola

alma=princípio da vida, sentimento, generosidade, coração
bola= artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto de couro, que, em geral salta por efeito da elasticcidade, e é usado em diversos esportes

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Jornalista especializado em marketing esportivo. Gosta de história e de uma boa cerveja.

quarta-feira, abril 12, 2006

Costurando o futuro


Um dos primeiros contatos que tive com a Associação Portuguesa de Desportos foi ouvindo minha mãe dizer que o meu vizinho, Seu Carlos, era jogador da equipe nas décadas de 50. Lembro-me muito bem dele, alto, cabelos brancos e de pele clara. Na época morávamos na casa de cima de um pequeno sobrado alugado no bairro da Lapa. Ele e a família moravam na casa de baixo.

Como o futebol antigamente era bem diferente, ninguém enriquecia tão fácil como hoje. Jogou como médio e após o final da carreira retornou à antiga profissão, alfaiate. Ao fundo da casa, Seu Carlos tinha uma alfaiataria onde costurava belos ternos, carrões sempre paravam e pessoas importantes iam retirar as encomendas. Como era gostoso ficar no quintal de casa ouvindo ao furar contínuo e ritmado da agulha, como se estivesse perfurando com precisão defesas tão compactas quanto os fios de um tecido. Toda vez que ele me via, soltava aquele vozeirão, de forte sotaque italiano e enfatizando a vogal “I”: Juniiinho!

Eternizou-se no manto rubroverde após entrar no time no lugar de Brandãozinho que havia se contundido. Em 1988 socorreu meu pai quando sofreu seu primeiro infarto. Ato que, infelizmente, meu pai não teve como retribuir, Seu Carlos morreu em meados dos anos 90, não lembro ao certo o ano. Lembro porém que quando estava em seu velório, meu pai me apontou um gigante de “bigodinho” ralo, Oberdan Cattani – primeiro nome da dinastia de grandes goleiros alviverdes. Além da emoção do funeral, ver o grande Oberdan naquele dia foi grandioso.

Também emocionante foi a morte de Dener, em 1994. Lembro que estava na sexta série, no habitual papo antes das aulas, quando fiquei sabendo do desastre. Fiquei chocado. Tão ruim quanto perder uma pessoa querida, é perder alguém jovem. Tentei homenageá-lo com uma matéria no primeiro ano da faculdade, mas sua viúva, Luciana, não se sentiu à vontade. O reizinho do Canindé deixava órfã uma geração que vibrou com o time campeão da Copa São Paulo de Juniores de 1991. Mesmo jogando no Vasco ainda era um grande ídolo da torcida.

O espírito vencedor da Lusa voltou o ar da graça em 1996, quando chegou à final do Brasileiro, perdendo para o Grêmio de Felipão. Após isso, seu maior momento de exposição na mídia foi nas semifinais do paulista de 1998, quando o time, contando com Evair no elenco, foi “garfado” pelo juiz Javier Castrilli.

A camisa que já vestiu Djalma Santos e Enéas hoje amarga uma situação de tristeza semelhante à morte, não como a natural de Seu Carlos ou a fatídica de Dener, mas uma morte anunciada como a já escrita por Garcia Márquez. Sucessivas gestões duvidosas, a própria Luciana me disse na oportunidade que o clube não lhe pagou uma dívida de cerca de R$8 mil. Uma vez meu pai, oficial de justiça, chegou a penhorar a renda do clássico Lusa e Corinthians.

O rebaixamento no Brasileiro em 2002 e o atual rebaixamento no Paulista tão cedo não serão esquecidos do imaginário lusitano. Coincidentemente na segunda-feira, um dia após a queda, passei em frente à Lusa Eletrônica, loja especializada em componentes eletrônicos que homenageia o clube. Ironia do destino, a loja se localiza na rua Vitória. Uma palavra que ultimamente não vem sendo uma escrita no mesmo parágrafo que “Lusa”.

Um futuro melhor deve ser cuidadosamente costurado lá pros lados do Canindé, para que, um dia, a Vitória não seja apenas o nome da rua, mas uma realidade para esta torcida fanática. E assim fazer jus a história gloriosa de Seu Carlos, Brandãozinho, Enéas, Djalma Santos, Dener e tantos outros.

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posted by Guy Júnior | 9:51 PM

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

mas qual é o real problema: dirigentes ou grana mesmo?

8:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

Belo texto, Guy.
Beijos =)

10:44 AM  
Anonymous Anônimo said...

Adorei o texto, porém, só não me emocionei por um motivo : Detesto a Portuguesa !!!
Tenho recentes lembranças de várias e várias derrotas palestrinas jogando contra eles que engoli amargamente. Dái, pra mim, todo castigo pra eles é pouco.
Isso ae Guy, parabéns, estarei sempre postando e incentivando essa sua idéia !!!
Abraços !!!
Sandro Vox

2:54 PM  
Anonymous Anônimo said...

Mais um clube paulistano fadado ao futuro esquecimento, por onde resvalam hoje Nacional e Juventus. Uma pena.

4:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

estamos de volta.
e com mais força do que nunca.
bom texto

2:54 PM  

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