Alma da Bola

alma=princípio da vida, sentimento, generosidade, coração
bola= artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto de couro, que, em geral salta por efeito da elasticcidade, e é usado em diversos esportes

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Local: São Paulo, SP, Brazil

Jornalista especializado em marketing esportivo. Gosta de história e de uma boa cerveja.

sexta-feira, abril 28, 2006

Saudades da Rua

Os garotos que moravam na rua Barra do Chapéu eram um dos mais privilegiados no paulistano bairro da Lapa. A via era bem estreita, daquelas que poucos carros passavam por dia. Na metade de sua extensão, três casas de cada lado eram recuadas quatro ou cinco metros distantes da sarjeta, abrindo um espaço retangular, carinhosamente chamado por eles de “larguinho”.

Neste local haviam marcações de uma quadra de futebol reduzida, quase nas mesmas dimensões de uma de futsal. O espaço era ideal para que dez garotos, não muito grandes, pudessem bater sua bola. Algumas vezes as equipes contavam com até seis jogadores de cada lado. Um terror para as “senhouras” (tão antigas quanto o termo) que moravam por perto e viviam reclamando das fuzarcas proporcionadas nos jogos.

Apenas uma coisa era pior que essa “zoeira”. Jogar no chamado “campo de baixo”. Apesar do “larguinho” ser plano, um dos lados do campo dava para uma descida. Ninguém gostava de jogar defendendo essa meta (na verdade apenas uma marcação no solo), pois não queria buscar as bolas que desciam a rua em alta velocidade. O antídoto criado foi o “chutou, buscou”. Assim os atacantes controlavam a força na hora da conclusão, pois seriam eles os gandulas do lance.

Nas laterais uma característica tornava o campo peculiar, três árvores plantadas de cada lado para evitar o estacionamento indevido de carros. A expressão “atalhos do campo” cairia muito ao local. Os garotos a todo o momento tinham de driblar tanto adversários, como árvores.

O local também era uma espécie de arena multiuso. Em poucos minutos transformava-se em um espaço para as festas (juninas ou de fim de ano), em uma quadra de vôlei (com a rede presa nas árvores) ou até em um campo de taco (o críquete do terceiro mundo).

Eram bons tempos e eu era um dos garotos que aproveitava aquele espaço. Sinto que fui de uma das últimas gerações que brincou naquela rua. Não víamos o tempo passar, só queríamos ver a bola rolar, de manhã, de tarde ou de noite. Quantas vezes joguei bola descalço no duro asfalto, não por falta de dinheiro para comprar sapatos, mas por preguiça de ir até minha casa e trocar as sandálias pelos tênis.

Hoje, quando volto ao local não vejo mais as crianças, as senhoras (muitas delas já faleceram), os gols e tampouco a bola. Isso é o mais triste, o grito de gol que sumiu e a bola que não rola mais. Uma rua sem crianças jogando bola é como domingo de arroz com feijão no almoço (perdoe-me quem gosta). Que saudades de tudo aquilo.

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posted by Guy Júnior | 12:22 AM

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Copa de 90.
Lembro que demarcamos a extensa rua que eu morava (Tiro ao pombo, no bairro da Brasilândia, zona norte paulistana) do mesmo modo que um campo de futebol oficial. E nas grandes áreas pintamos a bandeira do nosso amado país.
Jogávamos à beça.
Até que numa bela tarde ensolarada, um tal Diego se livrou da marcação para lançar a bola para um tal claudio. Isso acontecia na televisão. O Brasil estava sendo eliminado da Copa. E a célebre frase do comentador-rei se perpetuaria: "Quem não faz, toma."

Após o jogo, enfurecidos, arrancamos as bandeirinhas e maldissemos a seleção.

Poucos minutos depois, estávamos correndo atrás da pelota, numa atividade completamente desinteressada.

Isso foi há 16 anos.
Não faz tanto tempo, mas, aquela ingenuidade parece ter morrido.

Talvez não.

Muito bom Juninho, estou adorando teu blog.

11:11 PM  
Anonymous Anônimo said...

Joguei muita bola na rua Camilo Torres, onde moro até hoje. Sempre descalço claro. Eram momentos de descontração, que davam um tom de união entre a criançada. Quando ganhei meu "Mega Drive" e logo depois o computador deixei pra trás as emocionantes partidas. Hoje quando chego em casa após o trabalho, ainda vejo a garotada se divertindo na rua, é a única diversão para maioria deles.

Abraço

10:57 AM  

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